domingo, 22 de agosto de 2010

Morrer

"Morrer é coisa fácil
o difícil é viver,
pa' morrer sobram maneiras
e nos faltam pa' viver
O amor, vidinha minha,
é a afã de não morrer,
afã de tornar-se uma vida
e nessa vida viver.
Para rei nasceu Davi,
para sábio Salomão,
para chorar Jeremias
e para querer eu.
Toda violência em querer
não deixa de ser variável,
o que com força iniciou
sói ser pouco durável
Ao longo desta rua
até a Igreja maior
vão dizendo: morra, morra,
o que não sabe de amor!
Ah, mal haja uma revolta
que durara um ano inteiro
para tirar a plata
de tanto rico leiteiro.
O Santo Papa de Roma
disse-me que eu não te amara
eu lhe disse que não
ainda que me recondenara".

BETANCOURT, Raul Fornet. A teologia na história social e cultural da América Latina. São Leopoldo: Unisinos, 1996 (Vol III) (p.222).

Pobres, protagonistas e sujeitos da história

"Eu sou o qu'engano distribui
e volto a desenganar,
eu sou o zambo que ponho
os homens a desvairar,
as mulheres a querer,
as moças a chorar
os cães a pôr os ovos,
as galinhas a ladrar,
os burros a dizer missa,
os curas a zurrar...Caná!"

BETANCOURT, Raul Fornet. A teologia na história social e cultural da América Latina. São Leopoldo: Unisinos, 1996 (Vol III)

Folclore poético latino-americano

" Um negro foi cagar
nas portas do inferno,
saiu o Diabo com um pau:
aqui nao cagam os negros".
O negro saiu dizendo
como que querendo chorar:
ainda que me matem a pauladas
aqui venho cagar".
BETANCOURT, Raul Fornet. A teologia na história social e cultural da América Latina. São Leopoldo: Unisinos, 1996 (Vol III) (p.221).

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

A Missa , Imagem do Processo Escatológico do Mundo

Fomos acostumado por uma história de séculos, a ver e interpretar a missa sob enfoque de "sacrifício", de celebração memorial da Páscoa, de evento comunitário e de muitos outros aspectos, formulados e fundamentados no decorrer da história do discurso teológico. A todos eles, devemos acrescentar aquilo que podemos chamar de caráter escatológico da missa. Na missa se reflete o processo escatológico do mundo.
Um dos argumentos-chave de nossas reflexões sobre o processo escatológico da história e do mundo é que nada se faz sem a colaboração do homem [do ser humano]. O processo de construção do Reino de Deus começa no trabalho e no esforço humano. É a partir dele e por meio dele que Deus começa a realização de seus plano.
Deus toma a sério a liberdade humana. Se o homem [ser humano]não colaborar, os planos de Deus não vão para frente. A plenificação do Reino, que é obra exclusiva de Deus, não pode realizar-se sem a preparação deste Reino no decorrer do processo histórico. Esta preparação, no entanto, é tarefa e obrigação do ser humano.
Compreendendo toda a dinâmica dialética da história a partir desse enfoque, descobrimos na missa o espelho fiel e muito real daquilo que chamamos o processo escatológico da construção do Reino de Deus.
Também na missa, o ser humano apresenta primeiro aquilo que ele fez: pão e vinho, fruto da terra e do trabalho humano. Nunca haverá missa, se o ser humano não trouxer primeiro o pão e o vinho. Produtos humanos, elaborados pelo esforço humano. Preparados para serem mais, para serem plenificados, mas preparados pelos homens [pelo ser humano].
No OFERTÓRIO Deus aceita aquilo que o homem [ser humano] fez, aquilo que o homem podia fazer. Mais, [ser humano] não é capaz de fazer, mas aquilo que podia, fez.
Na CONSAGRAÇÃO, agora, é o próprio Deus agindo. Mas não age a partir daquilo que o homem [ser humano] fez, a partir do trabalho dele, plenificando a obra humana, elevando-a a nível infinitamente superior. o pão e o vinho se tornam corpo e sangue de Jesus Cristo. Esta é a obra de Deus. Mas nunca haveria corpo e sangue de Cristo se o homem [ser humano] não preparasse primeiro pão e vinho. Igualmente, não haverá plenificação do Reino se o homem [ser humano], primeiro, não preparar esta plenificação, começando já com a realização dos grandes valores deste Reino.
Na COMUNHÃO vivemos na missa o reflexo daquilo que chamamos a vontade salvífica de Deus. Todo agir de Deus visa à felicidade do homem [ser humano]. Deus não transforma pão e vinho nem plenifica o Reino para si mesmo. Ele o faz para o homem [ser humano]. Devolve o resultado de sua plenificação ao próprio homem [ser humano], dando infinitamente mais do que aquilo que o homem [ser humano] trouxe. O Deus generoso que devolve as mancheias, "uma boa medida, calcada, agitada a transbordar" (Lc 6, 38). É assim que Deus age na missa; é assim que Deus age também no imenso processo histórico da realização de seu Reino,
Compreendendo a missa também dessa forma, ela se torna o paradigma, o exemplar do agir de Deus neste mundo. Agir que nunca permanece vazio. Agir que conta com o agir humano, que pressupõe este agir, para depois plenificá-lo e, plenificando, devolvê-lo ao próprio homem [ser humano]como presente, como dom e graça.
Assim é Deus. Este seu ser e seu agir, ele no-lo revela na missa. Este seu ser e seu agir, ele o revela também no processo histórico da construção do Reino, com a qual chamou os homens [ser humano] a coloborar. A missa se torna o modelo dessa colaboração.
FONTE: BLANK, Renold J. O nosso mundo tem futuro: Escatologia Cristã 2. São Paulo: Paulinas, 1993. pp. 73-74.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

domingo, 8 de agosto de 2010

Da morte para a VIDA


25º aniversário do martírio do padre Pe. Ezequiel Ramin

Uma crônica das várias celebrações.

O padre Alcides Costa, superior provincial dos Missionários Combonianos do Brasil Sul, participou das celebração realizadas em Rondônia pelo 25º aniversário do 'martírio de Pade Ezequiel Ramin (1985 - 24 de julho - 2010). Ele preparou uma crônica das celebrações, que transcrevemos a seguir:

A celebração dos 25 anos do martírio do Pe. Pe. Ezequiel Ramin iniciou com uma celebração Eucarística presidida pelo presidente da CNBB, dom Geraldo Lyrio Rocha no dia 25 de junho de 2010 e disse “que o assassinato dos religiosos os faz participantes da páscoa de Jesus. O nome de cada um deles foi lembrado no início da missa com um breve relato de sua vida e a causa de seu assassinato.
Missionário comboniano, nascido em Pádua, na Itália, em 1953, Pe. Ezequiel Ramin chegou ao Brasil em 1º de setembro de 1983 e passou a residir em Cacoal (RO), diocese de Ji-Paraná. Ele foi assassinado no dia 24 de julho de 1985, vítima de uma emboscada. “Em minha volta, as pessoas morrem, a malária cresceu assustadoramente, os latifundiários aumentam, os pobres são humilhados, os policiais matam lavradores, as reservas indígenas são invadidas. “Com dificuldade os meus olhos conseguem ler a história de Deus por aqui”, escreveu Pe. Ezequiel Ramin pouco antes de ser assassinado”.

NA CIDADE DE CACOAL: 24 de julho

Na cidade de Cacoal, Rondônia, a celebração iniciou no dia 24 de junho com uma homenagem ao Pe. Ezequiel Ramin e também a exposição do trabalho realizado pelo Projeto Pe. Ezequiel Ramin, da Diocese de Ji-Paraná que há 21 anos leva adiante a proposta de proporcionar um espaço de organização e formação com homens, mulheres e jovens, por meio do trabalho para promover à cidadania, o desenvolvimento sustentável, a defesa da vida e da justiça. Esta mostra se repetiu também no dia da celebração no Salão paroquial da paróquia Sagrada Família.

No dia 15 de julho houve também um momento de reflexão sobre a missão e o martírio com os participantes da escola de Teologia para leigos “Pe. Ezequiel Ramin”, da Diocese de Ji-Paraná que há vinte anos leva adiante este trabalho.

No dia 17 de julho houve o campeonato de futebol do Campo onde participaram jogadores e representantes de várias comunidades da paróquia, com a medalha de Honra ao Mérito Pe. Ezequiel Ramin.
A noite, no salão paroquial aconteceu o encontro com os jovens das comunidades da paróquia Sagrada Família e também grupos jovens vindos de outras paróquias da Diocese. Foi um momento importante de reflexão sobre a vocação missionária e o compromisso com a vida a exemplo do Pe. Ezequiel Ramin, que disse: “Se Cristo necessita de min, não posso recusar-me”.

No dia 19 de julho aconteceu a Mesa redonda na Câmara de Vereadores que tratou de questões relacionadas à terra, Reforma Agrária, a violência no campo e o martírio do Pe. Ezequiel Ramin. Houve também o depoimento do Adílio de Souza, quem estava com o Pe. Ezequiel Ramin no momento do acontecido. Neste ato participaram também representantes da CPT, da OAB, Igreja Católica, Igrejas cristãs, povos indígenas.
Nesta mesa redonda foram lembrados alguns momentos da história e da luta do dos anos oitenta: a luta pela terra, a causa indígena, a organização, articulação e lutas de movimentos sociais e populares contra a implantação de um sistema de latifúndio. Foi no meio do conflito gerado por esses interesses antagônicos que o Pe. Ezequiel Ramin veio a se encontrar. Claro que ele não ficou em cima do muro. De certa forma não havia escolha, pois a coerência com o Evangelho e com a justiça indicavam, decidida e definitivamente, o lado.

O que estamos frisando é o fato de que o conflito não foi criado por Pe. Ezequiel Ramin, pois já estava posto. Pode-se dizer que este conflito vem acompanhando e configurando a questão social do Brasil desde a chegada dos portugueses. Assim ninguém pode, em sã consciência, afirmar que Pe. Ezequiel Ramin procurou a morte. Foi a incessante busca da vida que provocou sua morte.

Nos dias 20 a 21 de julho aconteceram encontros nos setores das comunidades da cidade com a participação de combonianos, Irmãs combonianas, seminaristas refletindo sobre o martírio, a vocação missionária e o compromisso da comunidade na luta pela vida, a partir do testemunho de entrega do Pe. Ezequiel Ramin.

O dia 23 de julho foi marcado pela peça teatral da vida do Pe. Ezequiel Ramin. O teatro estava cheio e todos atentos aos vários momentos da vida de Pe. Ezequiel Ramin, desde a sua infância até o seu martírio, pontualizando desde o início a sua preocupação pelo serviço ao irmão, a luta pela justiça e pela vida, seja na Itália e aqui no Brasil.

A solene celebração do dia 24 de julho
No dia 24 de julho, às 19h, aconteceu a Celebração Eucarística do 25º aniversário do Pe. Ezequiel Ramin. Estavam presentes representantes das comunidades da paróquia Sagrada Família de Cacoal, de várias paróquias da Diocese de Ji-Paraná e da Paróquia Nossa Senhora das Graças da Arquidiocese de Porto Velho. Presidiram a celebração Dom Antonio Possamai, bispo emérito de Ji-Paraná e Dom Bruno Pedron, atual bispo, vários combonianos e muitos padres da Diocese de Ji-Paraná e de Porto Velho e quatro padres da diocese de Pádua, Itália. Estavam presentes também as Irmãs Missionárias Combonianas e Leigos missionários Combonianos. Também estava presentes Antonio Ramin, irmão do Pe. Ezequiel Ramin e um grupo de italianos vindos de Pádua da paróquia onde o Pe. Ezequiel Ramin nasceu.

Segundo cálculos estimativos estavam presentes umas cinco mil pessoas. A celebração foi muito animada com cantos e muitos símbolos representando a vida do Pe. Ezequiel Ramin que continua vivo na vida de muitos cristãos e comunidades de todo o Brasil.
Na homilia Dom Antonio Possamai fez a memória da vida do Pe. Ezequiel Ramin, lembrando a sua luta e o serviço missionário em favor da vida e da justiça, os momentos mais difícil após a sua morte, mas ressaltou com muita força que Pe. Ezequiel Ramin continua vivo no meio de nós, o que ele representa hoje para as comunidades cristãs da Diocese, mas também da Igreja do Brasil.
Ao terminar a reflexão intercedeu dizendo: Santo Pe. Ezequiel Ramin rogai por nós e se seguiram muitos aplausos.
No final da celebração foi feita a leitura da Carta do Padre Geral dos Missionários Combonianos, Enrique Sánchez González, o testemunho de Dom Bruno Pedron, do Pároco da paróquia do Pe. Ezequiel Ramin, a carta do bispo de Pádua, o testemunho de Antonio irmão de Pe. Ezequiel Ramin e de Adílio de Sousa.
A celebração terminou com um convite de Dom Antonio de continuar lutando e acreditando na esperança da verdadeira vida que o sangue derramado de Pe. Ezequiel Ramin faz nascer.

No local da morte de padre Ezequiel

No dia 25, bem cedo, saímos em caravana (dois ônibus e alguns carros) para o município de Rondolândia - MT, paróquia Nossa Senhora Auxiliadora, mais especificamente na comunidade Pe. Ezequiel Ramin, localizada a uns 10 quilômetros do município, para a celebração da Eucaristia às 10h.
A comunidade reunida nos acolheu com muita alegria, pois a mesma estava em festa neste dia. A Eucaristia foi presidida por Dom Bruno e concelebrada por um grupo de padres. Na mesma se fez a memória da entrega da vida e do derramamento do Sangue de Pe. Ezequiel Ramin.

A comunidade está muito comprometida no seu testemunho de vida a partir do martírio de Pe. Ezequiel Ramin e são, ao mesmo tempo, testemunhas da sua santidade. A comunidade foi fundada ha uns onze anos. Depois da celebração e de um gostoso almoço fomos ao local onde está colocada uma grande cruz como memória do martírio do Pe. Ezequiel Ramin, a uns três quilômetros da comunidade. Ali foi feito um momento de oração e a bênção da mesma pelo bispo.

Dai saímos caminhando em direção ao local do assassinato, uns trezentos metros de onde está a cruz, pois ali até hoje os donos da fazenda Catuva não permitem que se coloque nenhum sinal. Ali rezamos, cantamos e invocamos a proteção do Santo Pe. Ezequiel Ramin. Foi um momento muito bonito de louvor e agradecimento, um momento de retomar o compromisso de lutar pela vida como fez Pe. Ezequiel Ramin. Ali terminamos a celebração dos 25 anos do martírio da Vida de Pe. Ezequiel Ramin.

A certeza se reforçou: ele continua vivo!

Todos estes momentos de celebração foram verdadeiramente momentos de ação de graças, de louvor e de oração. Todos estes momentos confirmaram isso: Pe. Ezequiel Ramin deu a vida, derramou o seu sangue pela vida de outros, dos posseiros, indígenas, os pobres, como ele mesmo disse: “Se a minha vida lhes pertence, também lhes pertencerá a minha morte”. Voltamos para casa com a certeza de que Pe. Ezequiel Ramin está vivo no meio de nós e em muitas comunidades cristãs, como também nos centros de Direitos Humanos, Escolas, Comunidades, Ruas, Avenidas, Bairros, Praças e Centos Comunitários.


A celebração dos 25 anos aconteceu também em muitos outros lugares do Brasil: São Paulo, Curitiba, Indaial-SC, São José do Rio Preto-SP, Salvador, Carapina - ES, Nova Contagem-MG, São Mateus-ES, Fortaleza, Porto Velho, Santo Antônio do Matupi-AM, Manaus, Boa Vista, Duque de Caxias, Maranhão, Piauí e lembrado também em muitas das nossas comunidades.

A memória de Pe. Ezequiel Ramin foi lembrado também na Assembleia da Conferência dos Religiosos do Brasil.
“Desejamos que este exemplo continue ajudando-nos a viver o nosso compromisso missionário sempre atentos ao grito dos mais pobres. A lembrança de Pe. Ezequiel Ramin será, com certeza, para a Família Comboniana presente no Brasil e para todo o Instituto uma ocasião para agradecer, mas também para renovar o nosso desejo de consagrar toda a nossa vida ao serviço do Evangelho, comprometendo-nos na construção de uma humanidade mais fraterna e justa.

Agradecemos uma vez mais, junto com vocês, o dom de Pe. Ezequiel Ramin e desejamos que a sua lembrança seja mantida na Igreja do Brasil e no nosso Instituto como uma figura que nos desafia a viver sempre com mais profundidade a nossa vocação missionária.


Pedimos que o sangue de Pe. Ezequiel Ramin, derramado em terra de missão, se transforme em semente de muitas vocações missionárias e em vida nova para todos os cristãos que estão caminhando e se comprometem na construção de uma Igreja onde se vive os valores do amor e da justiça, e onde todos sejam reconhecidos como filhos e filhas de Deus” (Carta Superior Geral MCCJ).

O nosso muito obrigado a Dom Antonio Possamai, à Diocese de Ji-Paraná na pessoa de Dom Bruno Pedron, ao Projeto Pe. Ezequiel Ramin, à escola de Teologia Pe. Ezequiel Ramin, aos padres da paróquia Sagrada Família de Cacoal e aos representantes da mesma na sua dedicação e serviço para que esta memória continue viva.
Obrigado aos combonianos e Irmãs Combonianas e Leigos Combonianos. Obrigado a todos os que participarem das várias celebrações.
Obrigado também ao Antonio Ramin e ao grupo da Diocese de Pádua.

Que o Sangue derramado de Pe. Ezequiel Ramin nos confirme no nosso serviço missionário em favor da vida “para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
(Pe. Alcides Costa, missionário comboniano)