sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O Deserto

O "Deserto", na visão dos místicos, é o Deus do silêncio. O "Deserto", na pós-modernidade, é uma linguagem para nomear a ausência de Deus. É a alegoria do silêncio e a litânia dos horrores. O "Deserto" na vida dos profetas significava o encontro com Deus. Um lugar de passagem para o povo nômade (migrante). Também foi o local do exílio. Surge aqui o problema do mal: Onde está Deus diante do problema do mal. Talvez, Dante Alighieri. com a sua inusitada obra a "Divina Comédia" e Pablo Neruda consigam dar uma resposta a esta questão crucial. O Êxodo, personagem principal do "Deserto", remete-nos a serenidade do silêncio de Deus. Deus não pode ser nomeado ou limitado pelo ser, pois, o discurso sobre Deus seria um fracasso da linguagem. Como falar do divino ao mesmo tempo em que se permanece em silêncio? Como dizia Wittgenstein: "Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar". Trata-se da linguagem do não-dizer: apofase. Portanto, o "Deserto", por um lado é o local onde o corpo e a alma são facilmente feridos e, por outro lado o florescimento do Paraiso. Nomeamos o "Deserto" como lugar de refúgio: contemplação. Deus que além de Deus é por excelência o deserto divino (transcendência, imanência e transparência). E finalmente, o "Deserto" é o lugar da união nupcial com Deus.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Espiritualidade do Natal: Significado Maior da Festa

O texto que segue abaixo possui os direitos autorais do teólogo brasileiro da libertação Leonardo Boff
A espiritualidade na carne quente e mortal, assumida pelo Verbo da vida. O espírito do Natal, sua espiritualidade específica, é exatamente o oposto do espírito dominante na cultura atual, que é um espírito marcado pelo consumo, pelo mercado, pela concorrência, pela compra, pelo negócio, pelo interesse. Um espírito que transforma tudo em mercadoria.
O Natal vive da gratuidade, da doação, da singeleza, da convivialidade, do dom de se fazer presente ao ao Outro. Vive da alegria de ver uma vida nascendo, porque não pode haver tristeza quando nasce a vida. E saber que essa criança que está ai, o divino Infante, somos nós fundamentalmente. Porque há em nós uma dimensão de criança dourada que nunca se perdeu e que permanece para além da idade adulta, reclamando seu direito de entender a vida também como algo lúdico, algo leve, algo que vale por si. Pouco importam os interesses em que investimos na nossa vida. Ela vale por si mesma, porque é um valor supremo.
O Natal quer ressuscitar essa dimensão espiritual no ser humano, quer anunciar que é nessa atmosfera que Deus também se acercou de nós. Não veio como um César poderoso nem como um Sumo-Sacerdote, menos ainda como um empresário ou filósofo. Lembremos a frase de Fernando Pessoa: "Jesus não entendia nada de finanças nem consta que tivesse biblioteca". Ele se aproximou na forma de uma criança pobre que nasce no subúrbio, no meio dos animais. Para que ninguém se sentisse distante dEle, para que todos pudessem experimentar o sentimento de ternura que desperta uma criança que queremos carregar no colo e sobre a qual nos vergamos maravilhados.
BOFF, Leonardo. Espiritualidade: Caminho de transformação. Rio de Janeiro: Sextante, 2001.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

COMUNIDADE

Por comunidade entendemos "o grupo de pessoas que vivem, não deste ou daquele interesse em particular, mas de um complexo conjunto de interesses, de modo a viabilizar suas vidas, dando-lhes um significado de pertencimento e identificação" (BARRETO, 2005, p. 130). São espaço de construçao e reconstrução social. Nas pequenas comunidades, as pessoas redescobrem sua identidade social, cultural e histórica. Podemos comparar as pequenas comunidades como um bordado em que as linhas se cruzam e entrecruzam ou como uma teia em que os fios se cruzam para dar sustentação à aranha. Nelas somos capazes de construir novas teias, novas relações, tecendo os fios do nada, ou, aparentemente, do nada.
A participação é a alma do trabalho comunitário e de toda transformação social, pois:
a) permite a adoção de tecnicas, culturamente, pertinentes
b) estimula novos esforços
c) desperta o senso de responsabilidade
d) garante que as necessidades reais sejam atendidas
e) valoriza as competências locais
f) torna as pessoas mais confiantes e menos dependentes de ação extrema
g) é fator de conscientização
A avaliação participativa é a etapa fundamental de todo o processo participativo. Participar é, pois:
a) ação conjunta
b) ponto de partida
c) senso de responsabilidade
d) garantia de atendimento às necessidades
e) valorização de conhecimento e competencia
f) mais confiança e menos dependência.

BARRETO, Adalberto de Paula. Terapia comunitária passo a passo. Fortaleza: Grafica LCR, 2005.

domingo, 22 de agosto de 2010

Morrer

"Morrer é coisa fácil
o difícil é viver,
pa' morrer sobram maneiras
e nos faltam pa' viver
O amor, vidinha minha,
é a afã de não morrer,
afã de tornar-se uma vida
e nessa vida viver.
Para rei nasceu Davi,
para sábio Salomão,
para chorar Jeremias
e para querer eu.
Toda violência em querer
não deixa de ser variável,
o que com força iniciou
sói ser pouco durável
Ao longo desta rua
até a Igreja maior
vão dizendo: morra, morra,
o que não sabe de amor!
Ah, mal haja uma revolta
que durara um ano inteiro
para tirar a plata
de tanto rico leiteiro.
O Santo Papa de Roma
disse-me que eu não te amara
eu lhe disse que não
ainda que me recondenara".

BETANCOURT, Raul Fornet. A teologia na história social e cultural da América Latina. São Leopoldo: Unisinos, 1996 (Vol III) (p.222).

Pobres, protagonistas e sujeitos da história

"Eu sou o qu'engano distribui
e volto a desenganar,
eu sou o zambo que ponho
os homens a desvairar,
as mulheres a querer,
as moças a chorar
os cães a pôr os ovos,
as galinhas a ladrar,
os burros a dizer missa,
os curas a zurrar...Caná!"

BETANCOURT, Raul Fornet. A teologia na história social e cultural da América Latina. São Leopoldo: Unisinos, 1996 (Vol III)

Folclore poético latino-americano

" Um negro foi cagar
nas portas do inferno,
saiu o Diabo com um pau:
aqui nao cagam os negros".
O negro saiu dizendo
como que querendo chorar:
ainda que me matem a pauladas
aqui venho cagar".
BETANCOURT, Raul Fornet. A teologia na história social e cultural da América Latina. São Leopoldo: Unisinos, 1996 (Vol III) (p.221).

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

A Missa , Imagem do Processo Escatológico do Mundo

Fomos acostumado por uma história de séculos, a ver e interpretar a missa sob enfoque de "sacrifício", de celebração memorial da Páscoa, de evento comunitário e de muitos outros aspectos, formulados e fundamentados no decorrer da história do discurso teológico. A todos eles, devemos acrescentar aquilo que podemos chamar de caráter escatológico da missa. Na missa se reflete o processo escatológico do mundo.
Um dos argumentos-chave de nossas reflexões sobre o processo escatológico da história e do mundo é que nada se faz sem a colaboração do homem [do ser humano]. O processo de construção do Reino de Deus começa no trabalho e no esforço humano. É a partir dele e por meio dele que Deus começa a realização de seus plano.
Deus toma a sério a liberdade humana. Se o homem [ser humano]não colaborar, os planos de Deus não vão para frente. A plenificação do Reino, que é obra exclusiva de Deus, não pode realizar-se sem a preparação deste Reino no decorrer do processo histórico. Esta preparação, no entanto, é tarefa e obrigação do ser humano.
Compreendendo toda a dinâmica dialética da história a partir desse enfoque, descobrimos na missa o espelho fiel e muito real daquilo que chamamos o processo escatológico da construção do Reino de Deus.
Também na missa, o ser humano apresenta primeiro aquilo que ele fez: pão e vinho, fruto da terra e do trabalho humano. Nunca haverá missa, se o ser humano não trouxer primeiro o pão e o vinho. Produtos humanos, elaborados pelo esforço humano. Preparados para serem mais, para serem plenificados, mas preparados pelos homens [pelo ser humano].
No OFERTÓRIO Deus aceita aquilo que o homem [ser humano] fez, aquilo que o homem podia fazer. Mais, [ser humano] não é capaz de fazer, mas aquilo que podia, fez.
Na CONSAGRAÇÃO, agora, é o próprio Deus agindo. Mas não age a partir daquilo que o homem [ser humano] fez, a partir do trabalho dele, plenificando a obra humana, elevando-a a nível infinitamente superior. o pão e o vinho se tornam corpo e sangue de Jesus Cristo. Esta é a obra de Deus. Mas nunca haveria corpo e sangue de Cristo se o homem [ser humano] não preparasse primeiro pão e vinho. Igualmente, não haverá plenificação do Reino se o homem [ser humano], primeiro, não preparar esta plenificação, começando já com a realização dos grandes valores deste Reino.
Na COMUNHÃO vivemos na missa o reflexo daquilo que chamamos a vontade salvífica de Deus. Todo agir de Deus visa à felicidade do homem [ser humano]. Deus não transforma pão e vinho nem plenifica o Reino para si mesmo. Ele o faz para o homem [ser humano]. Devolve o resultado de sua plenificação ao próprio homem [ser humano], dando infinitamente mais do que aquilo que o homem [ser humano] trouxe. O Deus generoso que devolve as mancheias, "uma boa medida, calcada, agitada a transbordar" (Lc 6, 38). É assim que Deus age na missa; é assim que Deus age também no imenso processo histórico da realização de seu Reino,
Compreendendo a missa também dessa forma, ela se torna o paradigma, o exemplar do agir de Deus neste mundo. Agir que nunca permanece vazio. Agir que conta com o agir humano, que pressupõe este agir, para depois plenificá-lo e, plenificando, devolvê-lo ao próprio homem [ser humano]como presente, como dom e graça.
Assim é Deus. Este seu ser e seu agir, ele no-lo revela na missa. Este seu ser e seu agir, ele o revela também no processo histórico da construção do Reino, com a qual chamou os homens [ser humano] a coloborar. A missa se torna o modelo dessa colaboração.
FONTE: BLANK, Renold J. O nosso mundo tem futuro: Escatologia Cristã 2. São Paulo: Paulinas, 1993. pp. 73-74.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

domingo, 8 de agosto de 2010

Da morte para a VIDA


25º aniversário do martírio do padre Pe. Ezequiel Ramin

Uma crônica das várias celebrações.

O padre Alcides Costa, superior provincial dos Missionários Combonianos do Brasil Sul, participou das celebração realizadas em Rondônia pelo 25º aniversário do 'martírio de Pade Ezequiel Ramin (1985 - 24 de julho - 2010). Ele preparou uma crônica das celebrações, que transcrevemos a seguir:

A celebração dos 25 anos do martírio do Pe. Pe. Ezequiel Ramin iniciou com uma celebração Eucarística presidida pelo presidente da CNBB, dom Geraldo Lyrio Rocha no dia 25 de junho de 2010 e disse “que o assassinato dos religiosos os faz participantes da páscoa de Jesus. O nome de cada um deles foi lembrado no início da missa com um breve relato de sua vida e a causa de seu assassinato.
Missionário comboniano, nascido em Pádua, na Itália, em 1953, Pe. Ezequiel Ramin chegou ao Brasil em 1º de setembro de 1983 e passou a residir em Cacoal (RO), diocese de Ji-Paraná. Ele foi assassinado no dia 24 de julho de 1985, vítima de uma emboscada. “Em minha volta, as pessoas morrem, a malária cresceu assustadoramente, os latifundiários aumentam, os pobres são humilhados, os policiais matam lavradores, as reservas indígenas são invadidas. “Com dificuldade os meus olhos conseguem ler a história de Deus por aqui”, escreveu Pe. Ezequiel Ramin pouco antes de ser assassinado”.

NA CIDADE DE CACOAL: 24 de julho

Na cidade de Cacoal, Rondônia, a celebração iniciou no dia 24 de junho com uma homenagem ao Pe. Ezequiel Ramin e também a exposição do trabalho realizado pelo Projeto Pe. Ezequiel Ramin, da Diocese de Ji-Paraná que há 21 anos leva adiante a proposta de proporcionar um espaço de organização e formação com homens, mulheres e jovens, por meio do trabalho para promover à cidadania, o desenvolvimento sustentável, a defesa da vida e da justiça. Esta mostra se repetiu também no dia da celebração no Salão paroquial da paróquia Sagrada Família.

No dia 15 de julho houve também um momento de reflexão sobre a missão e o martírio com os participantes da escola de Teologia para leigos “Pe. Ezequiel Ramin”, da Diocese de Ji-Paraná que há vinte anos leva adiante este trabalho.

No dia 17 de julho houve o campeonato de futebol do Campo onde participaram jogadores e representantes de várias comunidades da paróquia, com a medalha de Honra ao Mérito Pe. Ezequiel Ramin.
A noite, no salão paroquial aconteceu o encontro com os jovens das comunidades da paróquia Sagrada Família e também grupos jovens vindos de outras paróquias da Diocese. Foi um momento importante de reflexão sobre a vocação missionária e o compromisso com a vida a exemplo do Pe. Ezequiel Ramin, que disse: “Se Cristo necessita de min, não posso recusar-me”.

No dia 19 de julho aconteceu a Mesa redonda na Câmara de Vereadores que tratou de questões relacionadas à terra, Reforma Agrária, a violência no campo e o martírio do Pe. Ezequiel Ramin. Houve também o depoimento do Adílio de Souza, quem estava com o Pe. Ezequiel Ramin no momento do acontecido. Neste ato participaram também representantes da CPT, da OAB, Igreja Católica, Igrejas cristãs, povos indígenas.
Nesta mesa redonda foram lembrados alguns momentos da história e da luta do dos anos oitenta: a luta pela terra, a causa indígena, a organização, articulação e lutas de movimentos sociais e populares contra a implantação de um sistema de latifúndio. Foi no meio do conflito gerado por esses interesses antagônicos que o Pe. Ezequiel Ramin veio a se encontrar. Claro que ele não ficou em cima do muro. De certa forma não havia escolha, pois a coerência com o Evangelho e com a justiça indicavam, decidida e definitivamente, o lado.

O que estamos frisando é o fato de que o conflito não foi criado por Pe. Ezequiel Ramin, pois já estava posto. Pode-se dizer que este conflito vem acompanhando e configurando a questão social do Brasil desde a chegada dos portugueses. Assim ninguém pode, em sã consciência, afirmar que Pe. Ezequiel Ramin procurou a morte. Foi a incessante busca da vida que provocou sua morte.

Nos dias 20 a 21 de julho aconteceram encontros nos setores das comunidades da cidade com a participação de combonianos, Irmãs combonianas, seminaristas refletindo sobre o martírio, a vocação missionária e o compromisso da comunidade na luta pela vida, a partir do testemunho de entrega do Pe. Ezequiel Ramin.

O dia 23 de julho foi marcado pela peça teatral da vida do Pe. Ezequiel Ramin. O teatro estava cheio e todos atentos aos vários momentos da vida de Pe. Ezequiel Ramin, desde a sua infância até o seu martírio, pontualizando desde o início a sua preocupação pelo serviço ao irmão, a luta pela justiça e pela vida, seja na Itália e aqui no Brasil.

A solene celebração do dia 24 de julho
No dia 24 de julho, às 19h, aconteceu a Celebração Eucarística do 25º aniversário do Pe. Ezequiel Ramin. Estavam presentes representantes das comunidades da paróquia Sagrada Família de Cacoal, de várias paróquias da Diocese de Ji-Paraná e da Paróquia Nossa Senhora das Graças da Arquidiocese de Porto Velho. Presidiram a celebração Dom Antonio Possamai, bispo emérito de Ji-Paraná e Dom Bruno Pedron, atual bispo, vários combonianos e muitos padres da Diocese de Ji-Paraná e de Porto Velho e quatro padres da diocese de Pádua, Itália. Estavam presentes também as Irmãs Missionárias Combonianas e Leigos missionários Combonianos. Também estava presentes Antonio Ramin, irmão do Pe. Ezequiel Ramin e um grupo de italianos vindos de Pádua da paróquia onde o Pe. Ezequiel Ramin nasceu.

Segundo cálculos estimativos estavam presentes umas cinco mil pessoas. A celebração foi muito animada com cantos e muitos símbolos representando a vida do Pe. Ezequiel Ramin que continua vivo na vida de muitos cristãos e comunidades de todo o Brasil.
Na homilia Dom Antonio Possamai fez a memória da vida do Pe. Ezequiel Ramin, lembrando a sua luta e o serviço missionário em favor da vida e da justiça, os momentos mais difícil após a sua morte, mas ressaltou com muita força que Pe. Ezequiel Ramin continua vivo no meio de nós, o que ele representa hoje para as comunidades cristãs da Diocese, mas também da Igreja do Brasil.
Ao terminar a reflexão intercedeu dizendo: Santo Pe. Ezequiel Ramin rogai por nós e se seguiram muitos aplausos.
No final da celebração foi feita a leitura da Carta do Padre Geral dos Missionários Combonianos, Enrique Sánchez González, o testemunho de Dom Bruno Pedron, do Pároco da paróquia do Pe. Ezequiel Ramin, a carta do bispo de Pádua, o testemunho de Antonio irmão de Pe. Ezequiel Ramin e de Adílio de Sousa.
A celebração terminou com um convite de Dom Antonio de continuar lutando e acreditando na esperança da verdadeira vida que o sangue derramado de Pe. Ezequiel Ramin faz nascer.

No local da morte de padre Ezequiel

No dia 25, bem cedo, saímos em caravana (dois ônibus e alguns carros) para o município de Rondolândia - MT, paróquia Nossa Senhora Auxiliadora, mais especificamente na comunidade Pe. Ezequiel Ramin, localizada a uns 10 quilômetros do município, para a celebração da Eucaristia às 10h.
A comunidade reunida nos acolheu com muita alegria, pois a mesma estava em festa neste dia. A Eucaristia foi presidida por Dom Bruno e concelebrada por um grupo de padres. Na mesma se fez a memória da entrega da vida e do derramamento do Sangue de Pe. Ezequiel Ramin.

A comunidade está muito comprometida no seu testemunho de vida a partir do martírio de Pe. Ezequiel Ramin e são, ao mesmo tempo, testemunhas da sua santidade. A comunidade foi fundada ha uns onze anos. Depois da celebração e de um gostoso almoço fomos ao local onde está colocada uma grande cruz como memória do martírio do Pe. Ezequiel Ramin, a uns três quilômetros da comunidade. Ali foi feito um momento de oração e a bênção da mesma pelo bispo.

Dai saímos caminhando em direção ao local do assassinato, uns trezentos metros de onde está a cruz, pois ali até hoje os donos da fazenda Catuva não permitem que se coloque nenhum sinal. Ali rezamos, cantamos e invocamos a proteção do Santo Pe. Ezequiel Ramin. Foi um momento muito bonito de louvor e agradecimento, um momento de retomar o compromisso de lutar pela vida como fez Pe. Ezequiel Ramin. Ali terminamos a celebração dos 25 anos do martírio da Vida de Pe. Ezequiel Ramin.

A certeza se reforçou: ele continua vivo!

Todos estes momentos de celebração foram verdadeiramente momentos de ação de graças, de louvor e de oração. Todos estes momentos confirmaram isso: Pe. Ezequiel Ramin deu a vida, derramou o seu sangue pela vida de outros, dos posseiros, indígenas, os pobres, como ele mesmo disse: “Se a minha vida lhes pertence, também lhes pertencerá a minha morte”. Voltamos para casa com a certeza de que Pe. Ezequiel Ramin está vivo no meio de nós e em muitas comunidades cristãs, como também nos centros de Direitos Humanos, Escolas, Comunidades, Ruas, Avenidas, Bairros, Praças e Centos Comunitários.


A celebração dos 25 anos aconteceu também em muitos outros lugares do Brasil: São Paulo, Curitiba, Indaial-SC, São José do Rio Preto-SP, Salvador, Carapina - ES, Nova Contagem-MG, São Mateus-ES, Fortaleza, Porto Velho, Santo Antônio do Matupi-AM, Manaus, Boa Vista, Duque de Caxias, Maranhão, Piauí e lembrado também em muitas das nossas comunidades.

A memória de Pe. Ezequiel Ramin foi lembrado também na Assembleia da Conferência dos Religiosos do Brasil.
“Desejamos que este exemplo continue ajudando-nos a viver o nosso compromisso missionário sempre atentos ao grito dos mais pobres. A lembrança de Pe. Ezequiel Ramin será, com certeza, para a Família Comboniana presente no Brasil e para todo o Instituto uma ocasião para agradecer, mas também para renovar o nosso desejo de consagrar toda a nossa vida ao serviço do Evangelho, comprometendo-nos na construção de uma humanidade mais fraterna e justa.

Agradecemos uma vez mais, junto com vocês, o dom de Pe. Ezequiel Ramin e desejamos que a sua lembrança seja mantida na Igreja do Brasil e no nosso Instituto como uma figura que nos desafia a viver sempre com mais profundidade a nossa vocação missionária.


Pedimos que o sangue de Pe. Ezequiel Ramin, derramado em terra de missão, se transforme em semente de muitas vocações missionárias e em vida nova para todos os cristãos que estão caminhando e se comprometem na construção de uma Igreja onde se vive os valores do amor e da justiça, e onde todos sejam reconhecidos como filhos e filhas de Deus” (Carta Superior Geral MCCJ).

O nosso muito obrigado a Dom Antonio Possamai, à Diocese de Ji-Paraná na pessoa de Dom Bruno Pedron, ao Projeto Pe. Ezequiel Ramin, à escola de Teologia Pe. Ezequiel Ramin, aos padres da paróquia Sagrada Família de Cacoal e aos representantes da mesma na sua dedicação e serviço para que esta memória continue viva.
Obrigado aos combonianos e Irmãs Combonianas e Leigos Combonianos. Obrigado a todos os que participarem das várias celebrações.
Obrigado também ao Antonio Ramin e ao grupo da Diocese de Pádua.

Que o Sangue derramado de Pe. Ezequiel Ramin nos confirme no nosso serviço missionário em favor da vida “para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
(Pe. Alcides Costa, missionário comboniano)


quarta-feira, 31 de março de 2010

Aos 30 anos do martírio de São Romero


Celebrar um Jubileu de nosso São Romero da América é celebrar um testemunho que nos contagia de profetismo. É assumir comprometidamente as causas, a causa, pelas quais nosso São Romero é mártir. Grande testemunha é ele no seguimento da Testemunha Maior, a Testemunha Fiel, Jesus. O sangue dos mártires é aquele cálice que todos, todas, podemos e devemos beber. Sempre e em todas as circunstâncias a memória do martírio é uma memória subversiva.
Trinta anos se passaram daquela Eucaristia plena na capela do “Hospitalito”. Naquele dia nosso santo nos escreveu: “Nós acreditamos na vitória da ressurreição”. E muitas vezes, disse ele, profetizando um tempo novo, “Se me matam ressuscitarei no povo salvadorenho”. E, com todas as ambiguidades da história em processo, nosso São Romero está ressuscitando em El Salvador, em Nossa América, no Mundo.
Este jubileu tem de renovar em todos nós uma esperança, lúcida, crítica, mas invencível. “Tudo é Graça”, tudo é Páscoa, se entrarmos a todo risco no mistério da Ceia partilhada, da Cruz e da Ressurreição.
São Romero nos ensina e nos cobra que vivamos uma espiritualidade integral, uma santidade tão mística quanto política. Na vida diária e nos processos maiores da justiça e da paz, “com os pobres da terra”, na família, na rua, no trabalho, no movimento popular e na pastoral encarnada. Ele nos espera na luta diária contra essa espécie de “mara” monstruosa que é o capitalismo neoliberal, contra o mercado onímodo, contra o consumismo desenfreado. A Campanha da Fraternidade do Brasil, ecumênica este ano, nos recorda a palavra contundente de Jesus: “Vocês não podem servir a dois senhores, a Deus e ao dinheiro”.
Respondendo àqueles que na Sociedade e na Igreja tentavam e tentam desmoralizar a Teologia da Libertação, a caminhada dos pobres em comunidade, esse novo modo de ser Igreja, nosso pastor e mártir replicava: “Há um ‘ateísmo’ mais próximo e mais perigoso para nossa Igreja: o ateísmo do capitalismo quando os bens materiais se erigem em ídolos e substituem a Deus”. (...)
Sempre e cada vez mais, quando maiores sejam os desafios, viveremos a opção pelos pobres, “a esperança contra toda esperança”. No seguimento de Jesus Reino adentro. Nossa coerência será a melhor canonização de “São Romero da América, Pastor e Mártir”
Dom Pedro Casaldáliga

Fonte: http://afonsomurad.blogspot.com/

Teologia, um saber amoroso


“Se destruíres teus instrumentos de opressão, e deixares os hábitos autoritários e a linguagem maldosa; se acolheres de coração aberto o indigente e prestares todo socorro ao necessitado, nascerá nas trevas a tua luz e tua vida obscura será como o meio-dia. O Senhor te conduzirá sempre e saciará tua sede na aridez da vida, e renovará o vigor do teu corpo; serás como um jardim bem irrigado, como uma fonte de águas que jamais secarão” (Is 58,9-12).

A teologia se propõe a ser um discurso articulado sobre Deus e a partir de Deus, que é a fonte de toda Vida, a raiz e o princípio de todo amor, o próprio Amor (1 Jo 4,16). Isto confere ao saber teológico um grande diferencial, que toca sua estrutura interna. Fazer teologia é pensar e se expressar a partir do Amor, tal como se revelou na história da relação de Deus com seu Povo. Por isso, a teologia visa também aumentar a capacidade humana de amar.

A teologia não é um saber neutro, no qual o sujeito cognoscente se distancia com frieza matemática do objeto que pretende conhecer. Aliás, este próprio conceito de “neutralidade científica” está em crise, desde que um grupo significativo de pensadores afirmou que o olhar do observador influencia o resultado da observação, a começar do campo da microfísica e das estruturas moleculares. É parte intrínseca da teologia sua finalidade de levar o(a) teólogo(a) e a comunidade eclesial a conhecer o Deus-Amor. Ora, conhecer o Amor significa deixar-se amar, deixar-se tocar, aceitar ser iluminado por uma luz que não vem de si próprio (Sl 36,9). E ao experimentar o amor de Deus, amá-lo mais e, no Seu amor, amar a todas as suas criaturas (cf. 1 Jo 4,8). Se levarmos às últimas conseqüências a afirmação joanina de quem “quem ama conhece a Deus”, consideraremos que, no mínimo, o amor é a fé em potencial, ainda não plenamente manifestada.

Isso significa ainda que a teologia é simultaneamente uma reflexão sobre o amor (ágape-logia), que deve levar o ser humano a ser mais apaixonado por Deus e seu projeto salvífico em relação à humanidade e ao cosmos. A linguagem mais adequada para se aproximar deste mistério fontal, comporta algo específico. A teologia cristã, desde os princípios, vive a tensão entre poder falar de Deus, pois Ele mesmo se revelou (dimensão katafática), e reconhecer que todo discurso sobre o Senhor não consegue abranger a grandeza e a profundidade do Divino (dimensão apofática).
Porque é um falar sobre o Amor, a partir do Amor e visando fazer o ser humano mais amoroso, a teologia não pode lidar somente com conceitos. Toda a história da teologia no ocidente, especialmente a partir da escolástica, levou a uma grande conquista: refletir de Deus com conceitos abalizados. É algo irrenunciável para realizar a tarefa de “dar razões para nossa esperança”. Mas a teologia necessita também recorrer à história de Deus nas vidas das pessoas (caráter testemunhal) e lançar mão das analogias e da linguagem poética. Só assim, numa pluralidade de linguagens e abordagens, deixar-se-á tocar pelo mistério amoroso de Deus.

Não se trata novamente de compartimentar a teologia, reservando somente para a espiritualidade a dimensão amorosa da teologia; para a moral seu aspecto ético; e para as outras disciplinas seu caráter racional. Toda e qualquer disciplina teológica precisa estar embuída de espiritualidade, pois é um discurso que leva a conhecer e deixar-se conhecer por Deus, viver em intimidade com o Senhor, amá-lo e servi-lo. Comporta também uma dimensão ética, pois o serviço a Deus e ao seu Reino se visibiliza nas relações interpessoais e nas estruturas culturais, sócio-políticas e econômicas.
Quando se afirma que a teologia é um discurso amoroso sobre Deus, leva-se em conta que o afeto é componente essencial desta forma específica do saber. No entanto, isso não significa fideísmo, ou um discurso religioso ingênuo e adocicado pelo pietismo. A teologia não pode abandonar a coerência dos conceitos, o necessário uso da razão, de forma crítica e construtiva, e a articulação com os outros saberes humanos. Enquanto exercício da razão iluminada pela fé, é o amor lúcido, o amor pensante. Fazer teologia exige tanto o distanciamento crítico da razão quanto o envolvimento amoroso da fé. Desta tensão salutar emerge o diferencial da teologia.

É bom sinal quando um instituto de teologia, ao fazer sua avaliação anual com os alunos e professores, se pergunta: em que sentido a aprendizagem da teologia nos ajudou a conhecer, amar e servir melhor a Deus e a seu Povo. Em que aspectos auxiliou a peregrinação espiritual dos professores e dos alunos? Uma das tentações mais fortes de qualquer forma de saber, inclusive da teologia, é levar à auto-suficiência, nutrindo o orgulho e a vaidade. A lógica sutil consiste em: “porque sei mais do que os outros, sou melhor do que eles”. Assim, o conhecimento racional ocupa o lugar do conhecimento intuitivo e teologal (conhecer a Deus, ao viver a fé, a esperança e a caridade) e parece dispensá-lo. Na realidade da comunidade eclesial, os dois se completam. O (a) teólogo(a) é intérprete não somente dos dados teológicos da Escritura, na corrente da Tradição viva de sua Igreja, mas também das manifestações atuais da fé, na sua beleza e ambigüidade.
Afonso Murad

Fonte:http://casadateologia.blogspot.com/search/label/Teologia%20saber%20amoroso