sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O Deserto

O "Deserto", na visão dos místicos, é o Deus do silêncio. O "Deserto", na pós-modernidade, é uma linguagem para nomear a ausência de Deus. É a alegoria do silêncio e a litânia dos horrores. O "Deserto" na vida dos profetas significava o encontro com Deus. Um lugar de passagem para o povo nômade (migrante). Também foi o local do exílio. Surge aqui o problema do mal: Onde está Deus diante do problema do mal. Talvez, Dante Alighieri. com a sua inusitada obra a "Divina Comédia" e Pablo Neruda consigam dar uma resposta a esta questão crucial. O Êxodo, personagem principal do "Deserto", remete-nos a serenidade do silêncio de Deus. Deus não pode ser nomeado ou limitado pelo ser, pois, o discurso sobre Deus seria um fracasso da linguagem. Como falar do divino ao mesmo tempo em que se permanece em silêncio? Como dizia Wittgenstein: "Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar". Trata-se da linguagem do não-dizer: apofase. Portanto, o "Deserto", por um lado é o local onde o corpo e a alma são facilmente feridos e, por outro lado o florescimento do Paraiso. Nomeamos o "Deserto" como lugar de refúgio: contemplação. Deus que além de Deus é por excelência o deserto divino (transcendência, imanência e transparência). E finalmente, o "Deserto" é o lugar da união nupcial com Deus.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Espiritualidade do Natal: Significado Maior da Festa

O texto que segue abaixo possui os direitos autorais do teólogo brasileiro da libertação Leonardo Boff
A espiritualidade na carne quente e mortal, assumida pelo Verbo da vida. O espírito do Natal, sua espiritualidade específica, é exatamente o oposto do espírito dominante na cultura atual, que é um espírito marcado pelo consumo, pelo mercado, pela concorrência, pela compra, pelo negócio, pelo interesse. Um espírito que transforma tudo em mercadoria.
O Natal vive da gratuidade, da doação, da singeleza, da convivialidade, do dom de se fazer presente ao ao Outro. Vive da alegria de ver uma vida nascendo, porque não pode haver tristeza quando nasce a vida. E saber que essa criança que está ai, o divino Infante, somos nós fundamentalmente. Porque há em nós uma dimensão de criança dourada que nunca se perdeu e que permanece para além da idade adulta, reclamando seu direito de entender a vida também como algo lúdico, algo leve, algo que vale por si. Pouco importam os interesses em que investimos na nossa vida. Ela vale por si mesma, porque é um valor supremo.
O Natal quer ressuscitar essa dimensão espiritual no ser humano, quer anunciar que é nessa atmosfera que Deus também se acercou de nós. Não veio como um César poderoso nem como um Sumo-Sacerdote, menos ainda como um empresário ou filósofo. Lembremos a frase de Fernando Pessoa: "Jesus não entendia nada de finanças nem consta que tivesse biblioteca". Ele se aproximou na forma de uma criança pobre que nasce no subúrbio, no meio dos animais. Para que ninguém se sentisse distante dEle, para que todos pudessem experimentar o sentimento de ternura que desperta uma criança que queremos carregar no colo e sobre a qual nos vergamos maravilhados.
BOFF, Leonardo. Espiritualidade: Caminho de transformação. Rio de Janeiro: Sextante, 2001.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

COMUNIDADE

Por comunidade entendemos "o grupo de pessoas que vivem, não deste ou daquele interesse em particular, mas de um complexo conjunto de interesses, de modo a viabilizar suas vidas, dando-lhes um significado de pertencimento e identificação" (BARRETO, 2005, p. 130). São espaço de construçao e reconstrução social. Nas pequenas comunidades, as pessoas redescobrem sua identidade social, cultural e histórica. Podemos comparar as pequenas comunidades como um bordado em que as linhas se cruzam e entrecruzam ou como uma teia em que os fios se cruzam para dar sustentação à aranha. Nelas somos capazes de construir novas teias, novas relações, tecendo os fios do nada, ou, aparentemente, do nada.
A participação é a alma do trabalho comunitário e de toda transformação social, pois:
a) permite a adoção de tecnicas, culturamente, pertinentes
b) estimula novos esforços
c) desperta o senso de responsabilidade
d) garante que as necessidades reais sejam atendidas
e) valoriza as competências locais
f) torna as pessoas mais confiantes e menos dependentes de ação extrema
g) é fator de conscientização
A avaliação participativa é a etapa fundamental de todo o processo participativo. Participar é, pois:
a) ação conjunta
b) ponto de partida
c) senso de responsabilidade
d) garantia de atendimento às necessidades
e) valorização de conhecimento e competencia
f) mais confiança e menos dependência.

BARRETO, Adalberto de Paula. Terapia comunitária passo a passo. Fortaleza: Grafica LCR, 2005.

domingo, 22 de agosto de 2010

Morrer

"Morrer é coisa fácil
o difícil é viver,
pa' morrer sobram maneiras
e nos faltam pa' viver
O amor, vidinha minha,
é a afã de não morrer,
afã de tornar-se uma vida
e nessa vida viver.
Para rei nasceu Davi,
para sábio Salomão,
para chorar Jeremias
e para querer eu.
Toda violência em querer
não deixa de ser variável,
o que com força iniciou
sói ser pouco durável
Ao longo desta rua
até a Igreja maior
vão dizendo: morra, morra,
o que não sabe de amor!
Ah, mal haja uma revolta
que durara um ano inteiro
para tirar a plata
de tanto rico leiteiro.
O Santo Papa de Roma
disse-me que eu não te amara
eu lhe disse que não
ainda que me recondenara".

BETANCOURT, Raul Fornet. A teologia na história social e cultural da América Latina. São Leopoldo: Unisinos, 1996 (Vol III) (p.222).

Pobres, protagonistas e sujeitos da história

"Eu sou o qu'engano distribui
e volto a desenganar,
eu sou o zambo que ponho
os homens a desvairar,
as mulheres a querer,
as moças a chorar
os cães a pôr os ovos,
as galinhas a ladrar,
os burros a dizer missa,
os curas a zurrar...Caná!"

BETANCOURT, Raul Fornet. A teologia na história social e cultural da América Latina. São Leopoldo: Unisinos, 1996 (Vol III)

Folclore poético latino-americano

" Um negro foi cagar
nas portas do inferno,
saiu o Diabo com um pau:
aqui nao cagam os negros".
O negro saiu dizendo
como que querendo chorar:
ainda que me matem a pauladas
aqui venho cagar".
BETANCOURT, Raul Fornet. A teologia na história social e cultural da América Latina. São Leopoldo: Unisinos, 1996 (Vol III) (p.221).

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

A Missa , Imagem do Processo Escatológico do Mundo

Fomos acostumado por uma história de séculos, a ver e interpretar a missa sob enfoque de "sacrifício", de celebração memorial da Páscoa, de evento comunitário e de muitos outros aspectos, formulados e fundamentados no decorrer da história do discurso teológico. A todos eles, devemos acrescentar aquilo que podemos chamar de caráter escatológico da missa. Na missa se reflete o processo escatológico do mundo.
Um dos argumentos-chave de nossas reflexões sobre o processo escatológico da história e do mundo é que nada se faz sem a colaboração do homem [do ser humano]. O processo de construção do Reino de Deus começa no trabalho e no esforço humano. É a partir dele e por meio dele que Deus começa a realização de seus plano.
Deus toma a sério a liberdade humana. Se o homem [ser humano]não colaborar, os planos de Deus não vão para frente. A plenificação do Reino, que é obra exclusiva de Deus, não pode realizar-se sem a preparação deste Reino no decorrer do processo histórico. Esta preparação, no entanto, é tarefa e obrigação do ser humano.
Compreendendo toda a dinâmica dialética da história a partir desse enfoque, descobrimos na missa o espelho fiel e muito real daquilo que chamamos o processo escatológico da construção do Reino de Deus.
Também na missa, o ser humano apresenta primeiro aquilo que ele fez: pão e vinho, fruto da terra e do trabalho humano. Nunca haverá missa, se o ser humano não trouxer primeiro o pão e o vinho. Produtos humanos, elaborados pelo esforço humano. Preparados para serem mais, para serem plenificados, mas preparados pelos homens [pelo ser humano].
No OFERTÓRIO Deus aceita aquilo que o homem [ser humano] fez, aquilo que o homem podia fazer. Mais, [ser humano] não é capaz de fazer, mas aquilo que podia, fez.
Na CONSAGRAÇÃO, agora, é o próprio Deus agindo. Mas não age a partir daquilo que o homem [ser humano] fez, a partir do trabalho dele, plenificando a obra humana, elevando-a a nível infinitamente superior. o pão e o vinho se tornam corpo e sangue de Jesus Cristo. Esta é a obra de Deus. Mas nunca haveria corpo e sangue de Cristo se o homem [ser humano] não preparasse primeiro pão e vinho. Igualmente, não haverá plenificação do Reino se o homem [ser humano], primeiro, não preparar esta plenificação, começando já com a realização dos grandes valores deste Reino.
Na COMUNHÃO vivemos na missa o reflexo daquilo que chamamos a vontade salvífica de Deus. Todo agir de Deus visa à felicidade do homem [ser humano]. Deus não transforma pão e vinho nem plenifica o Reino para si mesmo. Ele o faz para o homem [ser humano]. Devolve o resultado de sua plenificação ao próprio homem [ser humano], dando infinitamente mais do que aquilo que o homem [ser humano] trouxe. O Deus generoso que devolve as mancheias, "uma boa medida, calcada, agitada a transbordar" (Lc 6, 38). É assim que Deus age na missa; é assim que Deus age também no imenso processo histórico da realização de seu Reino,
Compreendendo a missa também dessa forma, ela se torna o paradigma, o exemplar do agir de Deus neste mundo. Agir que nunca permanece vazio. Agir que conta com o agir humano, que pressupõe este agir, para depois plenificá-lo e, plenificando, devolvê-lo ao próprio homem [ser humano]como presente, como dom e graça.
Assim é Deus. Este seu ser e seu agir, ele no-lo revela na missa. Este seu ser e seu agir, ele o revela também no processo histórico da construção do Reino, com a qual chamou os homens [ser humano] a coloborar. A missa se torna o modelo dessa colaboração.
FONTE: BLANK, Renold J. O nosso mundo tem futuro: Escatologia Cristã 2. São Paulo: Paulinas, 1993. pp. 73-74.